20 maio 2013

ARQUITETURA: GALLERIA UMBERTO I


Foto original do Crystal Palace, erguido no Hyde Park para a Grande Exposição de 1851

Os primeiros resultados arquitetônicos da ‘Revolução Industrial’ surgiram na Inglaterra, em meados do século 19: o Crystal Palace, de 1851, por Joseph Paxton, e o Museu Oxford, de1859, por Deane e Woodward. Ao utilizar o ferro esses arquitetos influenciaram o olhar vitoriano, que percebia este material como fonte de poder da sociedade moderna, mas que dificilmente o via como recurso para a Arquitetura.


Interior do museu da Universidade de Oxford

Extravagantes cúpulas abobadadas de vidro e ferro, que seguiam a nova estética revolucionária da arquitetura, caracterizaram uma série de estruturas construídas na Europa nas últimas décadas do século XIX. O exemplo mais proeminente em Nápoles, no sul da Itália, é a Galleria Umberto I.



Projetada com a intenção de ser uma obra monumental em si, como as outras ao redor (Maschio Angioino, Real Teatro San Carlo, Palazzo Reale, Basilica di San Francesco Di Paola), a Galleria Umberto I é um grande centro comercial coberto por uma estrutura abobadada de ferro e vidro, nomeada em homenagem ao Rei que governou a Itália entre 1878 a 1900. A sua construção, entre 1887 e 1890, foi o marco durante a reconstrução de Nápoles – período conhecido como “Risanamento” - que durou até a Primeira Guerra Mundial I.



Ela foi projetada por Emanuele Rocco, que empregou elementos arquitetônicos modernos que remetem à Galleria Vittorio Emanuele II, em Milão, concluída em 1865. O espaço da galeria, alto e amplo, tem o formato de cruz, com um belo mosaico dos signos zodíaco na área central do piso, abaixo da sua cúpula com 184 pés (56 metros) de altura, apoiada em 16 costelas (tipo de suporte) de metal.



Das quatro entradas nas extremidades das asas cobertas de vidro, uma se abre para a Via Toledo (via Roma) - ainda a principal via do centro - e outra para o Teatro di San Carlo, enquadrado como um esplêndido cenário pelos portais da galeria. Outras duas saídas 'menores', são abertas para duas ruas laterais que rodeiam o shopping.



A Galleria Umberto I, construída para estimular o comércio e para ser um símbolo do renascimento de uma cidade, era uma fusão mais estética do vidro e do metal industrial na cobertura e da alvenaria da parte inferior que, em si, é uma colagem espectacular da Renassença e da ornamentação barroca, atenuada pela suavidade do mármore polido no piso do saguão térreo.



Sua concepção foi elaborada para combinar o espaço público com o espaço privado. No seu interior, estruturado em três andares, os dois primeiros pisos são utilizados quase exclusivamente para as atividades comerciais na galeria (lojas de calçada, como café e sorvete, assim como lojas de presentes, moda, tabacaria, livrarias, além de um banco ou dois), enquanto o piso superior se destina a residências e a um hotel privado.



Graças a uma localização privilegiada - rodeada pelas Via Toledo, Via Santa Brigida e não muito longe, a Via Medina - e sua proximidade com importantes locais de cultura e política, a Galeria logo se tornou um centro social da cidade. Uma vez que abrigou um teatro e restaurantes, foi o ponto de encontro da burguesia napolitana.



Seu teatro foi o lendário Salone Margherita, localizado abaixo do saguão principal, com acesso por uma escada interna ou por uma entrada separada, que dá para o lado de fora, no nível da rua. Ele foi fechado por muitos anos e, atualmente, foi restaurado e funciona plenamente.



HISTÓRIA

A área que a galeria ocupa já era intensamente urbanizada no século XVI e se caracterizava por um labirinto de ruas paralelas entremeadas por uma rede de vielas estreitas e curtas - com varais estendidos de um lado para o outro - que, da via Toledo, desembocava em frente ao Castel Nuovo. Esses becos eram conhecidos pelas suas tabernas, casas de má reputação e bêbados, onde ocorriam crimes de todos os tipos.



A fama adquirida pela área ao longo dos séculos foi mantida até a segunda metade do século XIX. Na década de 1880 a degradação chegou a extremos: o nível de higiene era pobre e, entre 1835 e 1884, ocorreram nove surtos de cólera nesta área. Sob a pressão da opinião pública, após a epidemia de 1884, começou a se considerar a intervenção do governo. Em 1885 foi aprovada a Lei para a restauração da cidade de Nápoles.


Mapa de Nápoles, 1884

Este período caótico na história da cidade é conhecido como “Risanamento” (que significa "tornar saudável novamente"), e a idéia por trás do projeto era sanear grande parte da cidade de Nápoles - que, durante séculos, tinha sido foco de doença e superlotação - para, em seguida, dar início a uma construção racional. A Galleria Umberto foi um bom exemplo da cidade tentando se reinventar.



Havia a necessidade de renovar a área conhecida como Santa Brigida, e quatro projetos foram apresentados. O arquiteto Emanuele Rocco apresentou um plano de renovação urbana que preservava uma série de edifícios históricos, no local em que outros seriam demolidos para dar espaço à construção do enorme um centro comercial em forma de cruz, alto e espaçoso - um caso verdadeiramente catedralesco - encimado por uma grande cúpula de vidro.



A Galleria Umberto I, desde a sua construção, se tornou imediatamente um centro comercial fundamental da cidade de Nápoles.

DOCUMENTÁRIO COMPLETO: EMMANUELLE ROCCO - LA GALLERIA UMBERTO I



DESCRIÇÃO EXTERNA

Em um inventivo e desproporcionado uso de vidro e ferro na cobertura, típico da extravagância italiana e européia, a Galleria Umberto I tem a sua entrada principal voltada para a Via San Carlo. Sua fachada semicircular, sustentada por colunas de mármore travertino, possui um pórtico central arqueado para o acesso direto à galeria, e dois arcos laterais que se abrem para o ambulacro - corredor externo que contorna a fachada.



Acima, segue um conjunto de janelas serlianas - com o arco sustentado por pares de colunas com capitel – e mais acima uma segunda sequência com janelas de arco duplo e colunas, semelhantes às anteriores. A cobertura possui pares de janelas quadradas entre pilastras toscanas e placas adornadas com relevo em estuque. As últimas janelas, entre cada sequência, são sobresaltadas sobre os arcos laterais de acesso à galeria.



As colunas do arco da direita mostram figuras que representam as quatro estações do ano, o Inverno, Primavera, Verão e Outono, que estão ligadas ao desdobramento do tempo e às atividades humanas para o trabalho e o gênio científico. As colunas do arco da esquerda mostram os quatro continentes, Europa, Ásia, África e América.



No frontão, figuras que representam o Comércio e a Indústria ladeiam a figura da riqueza reclinada, mitos da sociedade burguesa. Nos nichos opostos estão representados, à esquerda, a Física e, á direita, a Química.



Deitados no topo do edifício, acima do pórtico, estão as figuras do Telégrafo, à direita, e do Vapor, à esquerda, ladeando a Abundância. Esta representação apresenta uma imagem positiva da ciência e do progresso, capaz de unificar as diferentes partes do mundo. No telhado com varanda, uma série divindades clássicas podem ser observadas sobre a balaustrada. Os deuses retratados são Diana, Cronus, Vênus, Júpiter, Mercúrio e Juno.



As fachadas menores têm uma estrutura semelhante, mas apresentam apenas decoração em estuque. A fachada da Via Toledo traz, na entrada lateral, pares de estatuetas ‘putti’ (figura de criança) ladeando escudos com a heráldica (emblemas de brasão) de duas das sedes de Nápoles: os ‘Capuana’, com um cavalo caído, à direita, e os ‘Portanova’, com uma porta, à esquerda.



A fachada da Via Santa Brigida, apresenta escudos com a heráldica da sede dos ‘Porto’, com um marinheiro, à esquerda, e dos ‘Montagna’, com um monte, à direita. Ladeando o arco estão dois painéis alusivos à guerra e à paz.



Na fachada da Via Verdi, os escudos trazem os emblemas da sede dos ‘Nido’, com um cavalo desenfreado, à esquerda, e dos ‘Popolo’, com a letra P, à direita. Ladeando o arco estão dois painéis alusivos à abundância e à riqueza, caracterizados pelo cultivo da terra e do exercício da navegação.

DESCRIÇÃO INTERNA



O interior da galeria é formado por duas vias que se interceptam ortogonalmente, cobertas por uma estrutura abobadada de ferro e vidro, com uma cúpula ao centro, delimitada por alguns edifícios, quatro deles com acesso ao octógono central.



As fachadas internas refletem o principio da obra: o andar térreo é dividido por grandes pilastras lisas, pintadas de mármore falso que emolduram a entrada das lojas e mezaninos sobrejacentes. Logo acima, está uma sequência de janelas serlianas, depois as janelas em arco duplo e pilastras e finalmente, no ático, os pares de janelas quadradas.



A cobertura em ferro e vidro, projetado por Paolo Boubée, consegue se harmonizar perfeitamente com a estrutura de tijolos, o que contribui para a relação estreita entre as estruturas de suporte em alvenaria e as de ferro.



Quatro grandes áreas de ventilação estão localizadas nas extremidades dos corredores, suportando cenas em estuque complexas, tudo em conexão com a música.



Nos oito pendentes de sustentação da cúpula central, estão apoiadas oito figuras femininas aladas de cobre, que apoiam o lampadário. No tambor da cúpula (conexão arquitetônica posicionada logo abaixo da própria cúpula), decorada com janelas semicirculares, pode der vista a estrela de David, repetida em todas as quatro janelas. A razão para a sua presença é, aparentemente, desconhecida.



Na área central do piso da galeria, abaixo da cúpula, está um trabalho em mosaico representando os signos do zodíaco, assinados pela empresa Padoan de Veneza, que os criou, em 1952, para substituir os originais danificados pela guerra. Os bombardeios também resultaram na destruição de toda a cobertura de vidro.



Nas entradas estão localizados bustos e placas comemorativas em memória dos desaparecidos locais e daqueles que participaram da realização do trabalho. No corredor em direção a Via Verdi está uma inscrição que lembra a pousada Moriconi, que em 1787 hospedou Goethe. Entrando pelo lado oposto do Teatro di San Carlo, está uma placa dedicada a Paul Boubée.


Salone Margherita

No andar abaixo da galeria (subsolo) o traçado da galeria se repete em outro cruzeiro, de dimensão menor, e já abrigou restaurantes, casas de jogos e um teatro da Belle Époque no largo central, abaixo da cúpula. O teatro “Salone Margherita” foi a sede principal do entretenimento noturno dos napolitanos por mais de 20 anos, acolhendo várias personalidades de importância nacional.


Museu do Coral

O segundo andar tem grande parte ocupada pelo museu do coral e do seu balcão, sustentado pela famosa escultura em mármore de Carlo Nicoli, quase se pode tocar o relevo de estuque na fachada do Teatro di San Carlo.

HOJE

O destino da Galleria Umberto passou a ser uma espécie de metáfora de Nápoles, refletindo os períodos de esplendor, bem como os de decadência. Em seu auge, a Galleria Umberto I representava a "nova Nápoles" que tentava se reerguer de um período sombrio, após uma epidemia de cólera em massa no início da década de 1880.


Detalhe do acesso de um dos edifícios ao octógono central

Entre seus muitos altos e baixos, a galeria foi alvo de bombardeios aéreos por um dirigível na Primeira Guerra Mundial, mas voltou a ser um centro ativo da vida cívica napolitana, após anos de decadência. Recentemente, o interior do edifício foi objeto de uma restauração que trouxe de volta o aspecto original das muitas esculturas, bustos e das características da decoração Art Nouveau.



A Galleria Umberto I tem resistido à passagem do tempo muito bem. E mesmo hoje, não parece fora de lugar no centro lotado da cidade de Nápoles. O espaçoso centro da galeria abriga concertos, exposições de arte e desfiles de moda. Durante as férias de Natal exibe uma árvore de Natal com 25 pés de altura, construída para que todos possam apreciar. Pequenos toques para garantir que a galeria continue a atrair o público, por um longo tempo.