26 fevereiro 2013

YOKO ONO COMPLETA 80 ANOS ENTRE A ARTE E O ATIVISMO, E GANHA RETROSPECTIVA NA EUROPA


Yoko Ono completou 80 anos no dia 18 de fevereiro, mas sua energia, seu trabalho artístico e seu ativismo não diminuíram. Ela passou a maior parte da vida rompendo paradigmas, seja no underground nova-iorquino dos anos 1960, ou como a namorada de John Lennon, culpada pelo fim dos Beatles. Nos últimos meses Yoko esteve centrada na luta contra o "fracking" - discutida técnica de extração de hidrocarbonetos - e na defesa de Julian Assange, fundador do Wikileaks.


Yoko Ono nasceu na cidade de Tóquio no ano de 1933, em uma família aristocrática. Seu pai, um banqueiro milionário, trabalhava nos Estados Unidos quando ela nasceu, e dois anos depois, toda a família se juntou a ele.


Mais tarde, quando retornaram ao Japão, ela teve oportunidade de estudar em Gakushin, uma das escolas mais exclusivas do país. Yoko já falava inglês e entendia de pintura e música clássica. Sua personalidade liberal acabou chamando a atenção e ela sofreu bullying na escola. Aos 20 anos, foi a primeira mulher a estudar filosofia no Japão. Então veio a Segunda Guerra Mundial e a família passou por dificuldades.


Foi esse comportamento introvertido que marcou a obra de Yoko Ono. Em 1952, ela se mudou para Nova Iorque, onde florescia a ‘Pop Art’. Então frequentou a faculdade de música Sarah Lawrence, onde conheceu importantes músicos de vanguarda, que posteriormente seriam inspiração para o surgimento do grupo Fluxus, entre eles John Cage. Foi lá que ela começou a se destacar como artista.


Yoko Ono e John Cage

Em 1956 se casou com Toshi Ichiyanagi, com quem dividiu um loft em Manhattan, que se tornou laboratório para as suas performances e as experiências sonoras de John Cage.
Entre o fim da década de 1950 e 1960, Yoko realizou obras de conceituais que oscilavam entre a introspecção poética e a sátira provocadora.

Entre elas destacam-se:
- “Painting To See The Skies” (Pintando para ver os céus), de 1961, uma folha de papel que continha sucintas instruções, em japonês, de como transformar uma tela convencional em uma espécie de óculos para observação do céu.
- Uma apresentação no Carnegie Recital Hall, onde utilizou microfones para registrar o ruído de descargas de privadas (performance repudiada pelos críticos de arte).
- "Lightining Piece", de 1955, performance na qual convidou os espectadores a observarem a consumação de um palito de fósforo pelo fogo.
Essa última a inspiraria, mais tarde, em produzir obras e performances que instigassem o observador a se relacionar esteticamente com fenômenos corriqueiros e banalizados pela rotina.

VIDEO: ‘LIGHTING PIECE’ (1955)



Em 1961, após um desentendimento com seu marido, voltou ao Japão. A má repercurssão dos seus trabalhos e a crise conjugal causaram uma depressão profunda e pouco tempo depois ela foi internada. Removida do hospital pelo amigo Anthony Cox por causa de doses anormais de medicamentos, Yoko casou-se com ele e teve uma filha, Kyoko Chan Cox, em 1963. Novos problemas conjugais fizeram com o que o casal se distanciasse e Yoko retornou para os Estados Unidos no mesmo ano.

FLUXUS

Na América descobriu que seu amigo Georce Maciunas, baseado nas idéias que havia desenvolvido junto com John Cage e ela própria, liderava um novo grupo vanguardista denominado Fluxus (do latim flux, significa modificação, escoamento, catarse). As propostas do grupo eram politizadas e de cunho libertário, se aproximando muito dos ideais já sugeridos pelo Dadaísmo e o Construtivismo russo. A partir de então ela se uniu ao grupo.


O Grupo Fluxus marcou as artes das décadas de 1960 e 1970, opondo-se aos valores burgueses, às galerias e ao individualismo. Seu conceito designava uma grande quantidade de atividades artísticas, nas mais diversas áreas. Valorizando a criação coletiva, seus artistas integravam diferentes linguagens como música, cinema e dança, se manifestando principalmente através de performances, happenings, instalações, entre outros suportes inovadores para a época.

Entre seus representantes, além de George Maciunas, John Cage e Yoko, o grupo contava com artistas como Joseph Beuys, George Brecht, Henning Christiansen, Robert Filiou, Ludwig Gosewitz, Al Hansen, Benjamin Patterson, Geoffrey Hendricks, Dick Higgins, Joe Jones, Ute Klophaus, Milan Knizak, Nam June Paik, Dieter Roth, Takako Saito, Wolf Vostell, Emmett Williams, entre outros.


Em 1964 Yoko lançou o livro “Grapefruit” (uma compilação de "instruções de obra de arte" - entre elas “Hide & Go Seek”: "Se esconda até que todos se esqueçam de você. Se esconda até que todos morram.") e iniciou uma longa série de happenings.

VIDEO: ‘CUT PIECE’ NO CARNEGIE RECITAL HALL NYC, 1965



Em 1965 se apresentou novamente no Carnegie Recital Hall com sua performance “Cut Pieces” (corte pedaços), onde permanecia sentada, convidando o espectador a cortar com uma tesoura pedaços de sua roupa até ficar nua. Esta performance teve uma repercurssão positiva na crítica.

VIDEO: ‘FOUR’ (BOTTOMS)



De 1964 a 1972 produziu dezesseis filmes experimentais, entre eles o polêmico Nº 4 - “Four” (também conhecido como ‘Bottoms’), que apresenta 365 closes de nádegas, e Nº 5, uma seqüência de ‘stills’ de bocas que animados mostram a transição de um sorriso para uma expressão séria.

VIDEO: FRAGMENTO DE 'FLY' (1971)



LENNON

Nos anos 60 vieram Londres, Lennon e a fama de vilã. Foi no dia 8 de novembro de 1966 que John Lennon resolveu ir à exposição de uma artista muito comentada na época. No interior da na Indica Gallery ele viu uma escada que chegava ao teto, subiu e com uma lupa leu uma mensagem que se traduzia na palavra "sim". A autora da obra era Yoko Ono, uma japonesa que havia crescido em meio à cultura ocidental.
"Foi um grande alívio que não estivesse escrito "não" ou "foda-se" ou algo assim. Eu fiquei muito impressionado", contou Lennon numa famosa entrevista para a revista ‘Rolling Stone’ em 1970. Foi, artisticamente, amor à primeira vista.

VIDEO: LENNON E YOKO NA INDICA GALLERY (1966)



Com uma obra experimental que compreendia filmes, desenhos, instalações e música, Yoko se inspirava tanto em artistas como Max Ernst e Marcel Duchamp como na ‘pop art’ e as experiências sonoras de John Cage. Yoko já era um nome de destaque dentro da cena artística de Nova York. Imediatamente os dois se separaram de seus cônjuges e começaram um intenso romance que se transformaria em casamento em 1969 e que revolucionou toda uma época.

BED IN FOR PEACE

John e Yoko se casaram no dia 20 de março de 1969, em Gibraltar, e decidiram usar a publicidade para promover a paz mundial, durante a Guerra do Vietnã.
Na sua lua de mel em Amsterdam e Montreal eles realizaram, por duas semanas, os “Bed-in for Peace” - um modo pacífico de protestar contra as guerras – e receberam a imprensa mundial em seu quarto todos os dias.

VIDEO: BED PEACE



A idéia foi derivada do "Sit-in", no qual um grupo de manifestantes permanece sentado na frente de um estabelecimento até que sejam expulsos, presos, ou as suas exigências sejam atendidas.
Em dezembro de 1969 John e Yoko espalharam mensagens de paz com cartazes dizendo "WAR IS OVER! If You Want It - Happy Christmas From John and Yoko ".

FRAGMENTO DO DOCUMENTÁRIO AS MULHERES DOS BEATLES (Bio Channel)



Com o tempo, Yoko acabou sendo culpada pela perda de interesse de John pela banda, levando-os ao fim definitivo. Muitos ainda a consideram a grande vilã da história dos Beatles. Mas segundo Peter Doggett, autor do livro "A Batalha pela Alma dos Beatles", o relacionamento entre os membros da banda de Liverpool estava desgastado por diversos motivos.


Além da crise entre as famílias Lennon e McCartney, os conflitos existenciais de George Harrison e a luta de Ringo Starr contra o alcoolismo também são apontados como elementos decisivos para o fim do grupo.
O fato é que a artista plástica, cantora, cineasta e viúva de John Lennon, teve papel de extrema importância na história dos Beatles, do rock e até do século 20.

"FRACKING" E JULIAN ASSANGE

Nos últimos meses Yoko Ono ganhou muita importância pelo seu ativismo contra o "fracking" - processo que desgasta camadas muito profundas de rochas do subsolo para se chegar a bolsas de gás natural e petróleo, até então impossíveis de extrair. Este método – da perfuração com pressão de água misturada a produtos químicos - revolucionou a produção de hidrocarbonetos, mas seus críticos acreditam que o procedimento polui as águas subterrâneas e gera o vazamento de gases do efeito estufa.

VÍDEO: YOKO ONO E ARTISTAS CONTRA O ‘FRACKING’



Yoko liderou este movimento em Nova York e promoveu a iniciativa "Artistas contra o fracking" (que reúne 200 nomes de primeira linha: de Susan Sarandon e Richard Gere até Lady Gaga e Anne Hathaway). A campanha, com manifestações, anúncios, recolhimento de assinaturas e artigos de imprensa, contribuiu para que o governador de Nova York, Andrew Cuomo, anunciasse uma moratória do fracking no estado, até avaliar melhor suas consequências.

VIDEO: YOKO ONO CONCEDE PREMIO A JULIAN ASSANGE



A artista também apoia ativamente o fundador do Wikileaks, Julian Assange, que está refugiado na embaixada do Equador em Londres para evitar sua extradição à Suécia, acusado de abuso sexual (entenda o caso clicando aqui). No início deste ano Yoko organizou um jantar onde sua fundação concedeu o "Prêmio à coragem nas artes" à Assange, e que foi recebido em nome do hacker pelo juiz espanhol Baltasar Garzón e por Michael Ratner, presidente do Centro de Direitos Constitucionais dos EUA. Em 15 de dezembro de 2012, em Berlim, Yoko Ono recebeu a medalha Rainer Hildebrandt por sua militância a favor da paz.

VIDEO: HUMBERTO LEON ENTREVISTA YOKO ONO



Além do ativismo, a artista também ingressou no mundo da moda, onde apresentou uma coleção de roupa masculina desenhada por ela e inspirada em Lennon, no final de novembro do ano passado. As peças foram baseadas em desenhos que ela deu a Lennon em 1969, e que também foram editados em um livro. Ainda em 2012, Yoko lançou um disco com seis músicas gravadas com Kim Gordon e Thurston Moore - membros da banda Sonic Youth - e segue preparando novos projetos.

VIDEO: YOKO ONO WITH THURSTON MOORE & KIM GORDON: 'MULBERRY' (Live at Orpheum Theater)



Yoko também está sendo retratada no livro Yoko Ono: Collector of Skies, de Nell Beram e Carolyn Boriss-Krimsky. A biografia explora a vida e a arte de Yoko, desde a infância até o desenvolvimento como artista.

SCHIRN KUNSTHALLE

Enquanto isso o Museu Schirn Kunsthalle em Fankfurt estreou, no dia 15 de fevereiro, uma retrospectiva da obra de Yoko Ono, que comemora seus 80 anos.


A exposição "Half-A-Wind Show. A Retrospective" tem como objetivo mostrar a artista além do status de ícone pop enquanto mulher excêntrica de Lennon, que deixaram seus trabalhos artísticos em segundo plano. Certa vez John Lennon descreveu Yoko como "a mais célebre das artistas desconhecidas", já que as atividades do casal, como os famosos ‘bed-in-for-peace’, ocultaram sua obra mais pessoal.

VIDEO: ‘HALF-A-WIND SHOW’ NO SCHIRN KUNSTHALLE



Yoko disse na inauguração de sua exposição, que John Lennon lhe dizia: 'Me traga a verdade'. Porque nós, artistas, temos a dignidade de dizer a verdade ao mundo, diferentemente dos políticos". Depois ela disse que "a gente só conhece a metade da verdade. A outra parte é invisível (...), cada um é responsável por completar, imaginar e participar".

VIDEO: ‘HALF-A-WIND SHOW’. RETROSPECTIVA NO SCHIRN KUNSTHALLE



A mostra apresenta Yoko como "uma das artistas mais influentes das últimas décadas" e expõe 200 obras, que vão desde as suas primeiras instalações e performances, do início dos anos 60, até os seus filmes experimentais, além de fotografias, desenhos, textos e músicas - para refletir a dimensão multimídia das obras. Os visitantes podem tocar os objetos ou fazer parte de uma instalação.
"É a retrospectiva mais completa já consagrada a Yoko Ono na Europa", afirmou o diretor do museu, Max Hollein. A exposição será itinerante, assim como a artista. Depois de Frankfurt, ela viaja para a Dinamarca, para a Áustria e depois para o Museu Guggenheim, na cidade de Bilbao, na Espanha.

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